01/02/2006

Aquele cheirinho...

O meu pai ia buscar o carro branco, nos fins de tarde dourados, e íamos, com mais uma dúzia de amigos lá dentro, comprar castanhas ao senhor que estava na rotunda do Castelo do Queijo, numa mota que deitava fumo com cheiro a Outono. Não que o caminho fosse longo, mas o meu pai adorava castanhas, e o cheiro ficou para sempre dentro de mim.

A minha mãe preparava o cesto de verga, a manta escocesa, os talheres e pratos dos acampamentos, e lá partíamos nós. Parávamos num pinhal para fazer o pic-nic. Havia bolinhos de arroz, ovos cozidos, melão e batatas fritas. Havia alegria e paz. Finda a refeição continuávamos o nosso caminho, no carro largo, cor de canela. Lá nos arrumávamos, sem cintos, o que tornava tudo mais fácil. Estava sempre muito calor. O cheiro desenhava-se agora em forma de uns biscoitos maravilhosos que só havia em casa da minha avó, confundido ainda com o cheiro do melão que ainda sinto nas minhas mãos. Começávamos a sentir o aroma da serra, com as suas curvas e surgia a discussão. Um tinha que ir à janela, se não enjoava e depois o cheiro era bem pior. Dois disputavam a outra janela, e o bom do irmão do meio, lá ficava intercalado entre eles e apanhava o estalo que voava da frente. Eu, tinha a sorte de ser pequenina e de ir à frente, ao colo da minha mãe, e hoje sinto falta do seu cheiro.

O eucalipto, o cheiro a Natal, a erva-doce do folar da Páscoa…

O que haverá de mais simples que a recordação de um cheiro?
Demoramo-nos uma eternidade num segundo, porque nos vêm à memória dias e dias de recordações, umas boas, outras não…

9 comentários:

Margarida Atheling disse...

É mesmo assim.
A memória de um cheiro transporta-nos para outro local e outro tempo num ápice! :)

Beijinhos!

Anónimo disse...

Recordações... umas queremos para a vida inteira... outras rejeitamos a cada minuto...

deep disse...

Como te entendo! Sempre que sinto o cheiro das giestas queimadas, não deixo de recordar as Páscoas da minha infância, em que o folar (diferente do teu) se cozia em fornos de lenha mais ou menos comunitários. O fumo e o cheiro pairavam, desde cedo, em toda a aldeia, nos tr~es ou quatro dias que antecediam a Páscoa.

Anónimo disse...

Sei bem do que falas...
É tão bom, sem contarmos, lembrarmo-nos de alguma coisa ou de alguém....só pelo cheiro!
Bjs G

rukia disse...

eu acredito que há por aí muito boa gente (decente, arejada e higiénica) cuja mnemónica de odores é bem maior que o léxico visual. (esta foi confusa,já estou "tocada" da festa)
Obrigada por teres passado por lá. Comeste as bolachinhas?
:)

Anónimo disse...

as melhores recordações são as que vêm pelos cheiros :) há dias em que, por instantes, o próprio dia cheira aos dias da minha infância... e é bom lembrar o que daí vem :))

Anónimo disse...

O seu texto lembrou-me deste poema.. :)
espero que goste! (vou apenas pôr um excerto!..)

"Dharma & Greg
Ontem vi uma pessoa com vontade de memória.
Queria lembrar o que tinha um dia esquecido, para
nunca mais. Disseram-lhe que cheirasse, que o odor
desperta em nós (...)

Lembrar o que tínhamos um dia esquecido."
Jorge Reis-Sá, in Biologia do Homem

Anónimo disse...

um texto cheio de sentidos :) há coisas ke se podem fazer igualmente hoje...mas por iguais ke sejam são tão diferentes...oh doces recordações

Anónimo disse...

E NÓS A FALARMOS DAS LARANJAS NA ULTIMA QUINTA DIA 2 NO JANTAR.
HÁ UM CHEIRO QUE ME LEMBRA SEMPRE OS MEUS FILHOS O CHEIRO A BÉBÉ É INESQUECIVEL.......